Reflexos Humanos

0 críticas


Sei bastante bem quem eu sou: um ser apreciador da natureza, das formas, das interacções do mundo e do universo, de todas as coisas. Eu vejo a água a luzir ao sol, do mesmo modo que o fumo a trovejar de uma chaminé. O sabor do café. A calma e ordem de uma montra de bolos, de uma pastelaria antiga. Todas as coisas têm o seu sabor e a sua intensidade, cada experiência é única, intocável - e eu quero descrever todas. É por isso que adoro ver desenhos, a expressão de uma visão, e quero repeti-los e também eu expressar as minhas visões. É por isso que adoro música e tento tocar o máximo que consigo, sem fazer qualquer esforço, apenas expressando-me, e, principalmente, é por isso que leio - e que escrevo, em absoluto, tudo o que toco, tudo o que penso, numa tentativa de encaixar toda esta maravilha num singelo texto, frase, livro. A tarefa pode parecer impossível, mas basta-me captar um pequeno vislumbre para conseguir espantar e deslumbrar - primeiro, a mim mesma, depois, aos outros. Cada pequena insignificância tem a sua expressão, em palavras, em música e em desenho. Em teatro, em dança, em vídeo, em filme. A arte, apesar de distorcer o que os olhos vêem, clarifica o que vê a mente. Sem ela, expulsamos e ignoramos os nossos próprios sentimentos, as emoções, as nossas verdadeiras visões, e tornamo-nos completamente vazios. Sem ela, somos máquinas, autómatos, que, por mais que tirem fotografias perfeitas ou toquem sonatas nos tempos certos, não sentem, não vivem, não são mais que pedaços programação e não poderiam nunca ser mais do que isso. Nós vamos cada vez mais esquecendo de onde viemos e assemelhando-nos cada vez mais com eles. Dominamos a ambição, a ganância.

A humanidade dos dias de hoje faz-me aflição, uma aflição danada.

Mas, depois, aparecem-me pessoas, pessoas, e eu volto a sorrir, porque o mundo é uma coisa linda.

Declarações de Guerra

0 críticas

Declaramos guerra um ao outro, ali mesmo, no momento em que nos fitamos, ou, talvez, no momento em que um de nós arremessa uma troça, ou, ainda, quando acontece tropeçarmos no caminho um do outro, fingindo que não nos demos conta. Entregamo-nos à assaz batalha, batemos com os punhos, com os braços, com a mão aberta, com as unhas, agarramos cabelos, pedaços de carne, parecemos dois gatos, a bufar, a guinchar, a gritar, a rir, a fugir, porque o primeiro riso é o primeiro gesto de rendição, já escorrego e caio, já escondo a cara e viro-me para enfrentar a minha pena, repito o que disse, "Julgas que me metes medo?", e sorris e eu insisto em debater-me até ao fim da batalha, já mais que perdida em meios sorrisos, em meios carinhos, ainda tenho forças e levanto-me, mais uma vez, persisto em agarrar-te os braços que me agarram pacientemente, levo-te as mãos doces ao rosto e aninho-me nelas, toco-as com pequenos tímidos beijos e ainda finjo que ainda não perdi, "Julgas que me metes medo?", guardo-te os braços atrás das costas e tu aproveitas a proximidade para colares o teu peito ao meu e beijares-me a testa, e aproveitas cada hesitar meu para libertares os braços e me apertares com força, mas eu não me dou por vencida, tento dar-te pequenos empurrões nos ombros, a esconder os sorrisos, e tu segredas-me ao ouvido, "Julgas que me metes medo?" e beijas-me o sorriso escondido.