Possivelmente natural

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Este dia é fabuloso. Podemos fazer tudo. Podemos ser tudo. Podemos comprar tudo. Este dia é o mais fantástico das nossas vidas. Comparamo-nos e vemos que somos iguais porque tudo podemos ter. Somos fabulosos porque é hoje o dia de tudo o que nos passe pela cabeça.


Neste momento em que todas as realidades me são permitidas, magico uma paisagem. Estamos no norte, no meio de montanhas alpinas, triangulares, cobertas de neve. As coníferas rodeiam-nos no seu abraço irregular. Algures, ouço o gotejar de água, o desbravar de caminhos por uma ou outra fonte algures. Algures. Acrescento-lhe, agora, flores, rasteirinhas, de todos os tipos, das que se dão bem nestes climas. Flores pequeninas, miúdas. E a água vai desaguar a um regato e o regato finda num formoso lago, num imenso espelho de pequena ondulação que se estende até ao nosso horizonte. Sentes o fresco da paisagem e sorris. Quase que és feliz.
Neste momento em que posso tomar a realidade pela mão, construo uma pequena cabana, minúscula, para ser sincera. Dentro dela - tudo o que me é essencial. Um colchão no chão, mesmo à beira da lareira. Uma porta que esconde apenas vestidos simples, que caem como folhas, como pétalas de rosa, que caem no outono. Desbravo esta pequena casa, a sua secretária onde repousa a minha máquina de escrever e as minhas penas. E os tinteiros para as penas. É com alma que escrevo nesta casa, acerca da beleza e simplicidade da natureza.
Neste triangular momento, vejo os meus filhos brincarem com objectos simples, deles tirando todo o proveito. São criativos e amam a natureza. O meu amor chega a casa - não tardou. Traz fruta para os pequenos e para nós ambos.
É fresca, esta realidade. Sorrio para o simples que se me revela.

A história daquele dia

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Fugi.
Faltei a laboratórios e teóricas obrigatórias.
Apanhei o primeiro comboio. O primeiro comboio que me havia de levar a Lisboa.
Fugi
Fugi porque é isso que quero para a minha vida. Ser clandestina da sociedade. Sou uma viajante. E uma romântica. Fui a Lisboa ter com ele. Que bem me faz? Para o curso, para os meus pais, para a minha vida, para tudo? Que mal me faz? Que consequências terá tudo isto? Em menos de nada, estarei a magoar alguém, os meus pais vão ficar desiludidos, vou-me magoar, não vou ter amigos, não vou ter família, vou cair no desemprego, a sociedade não me aceitará. Enfim. Que loucura. Não tenho o direito de tentar ir atrás dos meus sonhos? Uma vida estável não me seduz. Sou dos viajantes, dos clandestinos nos supermercados, no povo das estações de comboio. Eu sou nómada. "Conheces o nome que te deram. Não conheces o nome que tens."

Amor Suburbano

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Grandiosas forças movem o mundo, fazem dias, fazem noites, fazem Sol da meia-noite.
Grandiosas forças dão vida à vida e somos todos essas forças. Somos tão complexos que não colapsamos. Oh!, Quão belo é o mundo, afinal.
Gloriosos somos, somos todos, mesmo os doentes, mesmo os vegetais, mesmo os que morrem.
Somos gloriosos só por chegarmos aqui, só por fazermos.
Somos tremendamente horríveis e obscenos.
[...] Confrontemos o mundo perante nós. Esta excelente colecção de horrores e ódios.
Como te amo e gostaria de estar outra vez contigo! Ah, mas não to digo, pois, não to digo, poderia estragar tudo.
[...]Amo-te, amo-te e estou farta de me abster de amar. Que propósito tem esta vida?
[...]Amo-te de modos tão bizarros e intensos! Vê o fogo que me incendeia.
Amo-te de todos os modos bizarros, como roubar flores da bicicleta que passa.
[...]

És lindo. Adoro-te. És um pensador. Amo-te. És o todo. O meu todo. O meu tudo. Mais que o meu tudo.
És o meu mais que tudo.

Carta de um novo dia.

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Isto não é uma brincadeira. É uma luta que tenta chegar aos confins do mundo - aos confins da mente.
Não sei quem és. Não sei o teu nome, a tua cara, não sei o que fazes nem como és.
Não sei sequer se alguém lerá isto.
Mas arrisco. Pouco tenho a perder.
Espero que tenhas um pouco de loucura.
É sempre bom, sempre essencial.
E particularmente essencial.
Escrevo esta carta porque estou a morrer.
Não quero que tenhas pena de mim.
Vivi pouco, mas raros foram os arrependimentos. Vivi pouco, mas vivi uma vida cheia.
E a morte, que agora me leva, é calma, plácida, pacífica. Não me traz dores - muito pelo contrário, sinto cada vez menos.
Pouco tenho a perder - nada que não perca totalmente dentro de alguns dias.
Se há algo que me enche de melancolia é olhar à minha volta e ver milhões de infelizes que não conseguem pensar. Será que vim a este mundo viver como vivi, sem deixar alguma marca para o futuro? Serei o objectivo do Universo?
Decidi não levar estes pensamentos para o fundo da terra, comigo para o túmulo.
Decidi-me a escrever-te, para quem quer que sejas. Quero contar-te tudo! E esperar conseguir abarcá-lo nesta carta.
Esta é a carta de um novo dia: um dia que provavelmente será teu, mas que de certeza não será meu.
Nota importante: as gravatas não servem para nada!

Devaneios pelo meu mar doce de palavras.

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«Se eu fizesse colectânea de palavras lindas!
Casaria comigo mesma e o discurso seria de morte:
"Nos estilhaços que deslizam sob suave ternura do embalar de páginas descritas em cadernos de contos de fadas, esmorece uma névoa que afaga quem estremece. Nas melodias harmoniosas, despedaçam-se tufos de musgo, cristalino do orvalho. As infâncias vêm em bibes descolorados, ao som de discos entorpecidos numa grafonola antiquada. No meio de bugigangas viajadas com bufarinheiros, cintila uma caixinha de âmbar pitoresca. Os meus olhos deleitam-se com tais arabescos, deliciosos, preciosidades, irresistíveis.
Quanto a névoa me afoga em claridade amargurada e reluzente!
O brilho dos teus olhos são vitrais."»