Pequeno excerto dos Renegados

Parou dois segundos.
Ela era a má da fita, a que todos odiavam, a que só fazia mal.

E ela gostava tanto de magoar os outros.
Sentou-se ao pé do sem-abrigo, ao lado de quem ninguém se sentava. Ele estava sujo e era louco.
"Ora, estou farta disto" pensou. E, pensado isto, beijou-o.

O sem-abrigo-louco tornou-se invisível,

mas ela não o largou, "não te atrevas a fugir-me"
porque tu és a única pessoa, percebes? és o único, nós os dois somos rejeitados por todos, não fujas agora, não me escapes
E continuaram num beijo profundo

E ele deixou-se rolar pelo telhado e caiu e morreu.

Agora era ela e o rapaz morto.

Rapaz morto, rapaz morto, estás aí?
Queres falar comigo?
Quero sim, rapaz morto. Eu não compreendo.
É porque nada há para compreender.
Também o suspeitava. Então, então, que faço?
Nada. Tudo. Alguma coisa. Vai dar ao mesmo.

Rapaz morto. Diz-me, por que não sinto felicidade?
Porque não existe.
Eu beijei-te e só senti vazio, porquê?
Porque não há nada para sentir.
Mas eu queria sentir algo!
Só há desespero e vazio e sonhos inalcançáveis.

Porque, quando se tornarem atingíveis, rapaz morto...?
Sim, deixam de ser sonho e tornam-se vazio.
E o vazio desespero.
Já sabes tudo.
Sei tudo o que há para saber.
Sabes que estou morto.
Sei que estás morto.
Sabes que gostarias de me amar.
Desde que tu me amasses também.
E se isso acontecesse
Seriamos infelizes.
Nada mais.
Estás morto, rapaz-morto.
Mais morto não poderia estar.
Odeio-te.
Estás apaixonada por mim.
Claro que estou. Não percebes que te odeio?
Compreendo-te. Amo-te.
Isso é mentira.
Pois é.