Cansada

A vida sabia-lhe a insípido. Diziam-lhe o que fazer e ela fazia. Trabalhava, como uma pequena formiga que não sobressaía. Ela não queria sobressair, de todo. Mas queria ser ela própria. Queria dar de si ao mundo - e não do que todo o ser humano é capaz de fazer. Era por isso que não tinha família. Depois de ser criada, vira-se obrigada a fugir. Não suportava as paredes daquele ninho de incompreensão, expectativas e hipocrisia. No entanto, sair de casa só lhe serviu para descobrir que a sociedade era um ninho em ponto grande. Em outros países, continuava o mesmo sentimento à beira-rio de conformismo. Não dizia a ninguém, mas sentia-se sozinha ao sentar-se com outros no sofá a ver televisão. Ninguém vivia. Apenas aceitavam. Existiam. E tal não era viver. Diziam-lhe que trabalhasse e ela trabalhava. Diziam-lhe que comesse e ela comia. Diziam-lhe que passasse os sábados e os domingos a arrumar o apartamento e lavar a casa de banho e ver televisão - e ela tudo fazia. No ecrã, rostos sorridentes. Sorria com eles. Porém, esse sorriso era uma máscara, tal como as dos actores do ecrã. Nada havia de verdadeiro. Apenas ordens não ditas. E sinais de assentimento, vagos, lentos, imperceptíveis. Era como uma vida sem cores nem som. De que lhes valiam se não lhe diziam nada?