Estava um lindo dia de chuva, um cinza pastel choroso.
-Maldita chuva!- comentou a mãe.
A pé seguiam, mas ela não se queixava porque ela efectivamente adorava sentir aquelas lágrimas a escorrerem, geladas de nos gelar por dentro.
A chuva é que a ajudara naquele mau momento quando quisera deitar tudo cá para fora, gritar o mundo com a força que trouxera apertada na viagem de comboio, a chuva que com ela chorara a sua perda, que com ela gritara contra quem lhe roubara a melhor amiga. A chuva que com ela cantava, a chuva que com ela desenhava movimentos, gestos que as outras pessoas não apreciavam ver na rua, abria os braços e cumprimentava as pessoas com uma larga vénia, e a chuva parecia imitá-la, a chuva sempre tivera um tanto de loucura, pois os loucos é que adoram passear à chuva.
Os carros seguiam e atiravam a água aprisionada no alcatrão contra elas, uma onda no meio do nada, no meio de lado nenhum, uma onda citadina, de poesia nenhuma gerada, apenas do horror da cidade, porém uma onda poética.
As calças salpicadas em lama, encharcadas em chuva.Está um bom dia para não lavar a roupa, pensou, ao mesmo tempo que a mãe dizia
-Quando chegarmos a casa, tiras imediatamente essas calças e pões a lavar.
A mãe não-louca, a normal mãe. Dava-se feliz por ter uma mãe assim: se fosse louca, talvez tivesse a tendência a ser o contrário dela, ou seja, monotonamente normal. Ou talvez não.
O céu eram nesgas pintadas e eu gosto mesmo, mesmo muito, mas agora não é a minha história, é a dela, bolas, e ela gosta mesmo mesmo muito. São tão doces tão frios dias de chuva.
As cores de tudo mais definidas: as folhas amarelas mais amarelas, o castanho mais castanho, o verde musgo ou verde pinheiro mais vivo, o cinza das pedras um pouco mais escuro, um contraste acrescido comparado com o daqueles terríveis dias de calor.
O que ela gostava mesmo era de, no fim do dia, quando tudo parecia acabado, digitar tudo o que se lembrava por meio de palavras, gravar tudo na folha, atirar os dedos ao teclado e traduzir os pensamentos em algo legível, tal como faz agora, e, de tão habituada que está, não erra uma única letra, não falha e mesmo de olhos fechados sabe que não falha, pois é como que uma melodia tocada ao piano. Em dias de chuva.
Melodia tocada ao piano em dias de chuva, daqueles em que a luz vai abaixo e não sobra mais nada senão o piano e o violino e a máquina de escrever.
Pequenas coisas estas que me ajudam a não dizer não à vida nem aos meus pais, que me ajudam a não ficar para trás, não quero viver, mas, muito mais que isso, não quero magoar quem tanto gosta de mim.
Piano à chuva, piano ao luar.
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