Pelas Ruas

Passo na rua pelas pessoas incógnitas.
Está a arrefecer, as almas vagueantes são cada vez menos, a claridade esmorece. Eu escuto música de me levar ao outro lado do mundo e olho o horizonte. O Sol está a pôr-se e as nuvens são lindas, fofas, grandiosas, coloridas em todos os tons, graciosas, acarinhando o astro solar nesta última despedida. Onde estou há um banco de jardim, virado de frente para a paisagem e a música sugere-me a sentar-me nele, mas no encosto, de onde vejo mais pedaço de horizonte, mais pedaço de céu. Eu hesito, porque não quero parecer louca, mas ponho os pés no banco e subo ao encosto. Vejo o pôr-do-sol e ouço a música de me levar ao outro lado do mundo. Este é o mais belo momento do meu dia. Mas não o deve ser, não pode ser, porque não está ninguém comigo, eu sou a única a aperciar a forma disforme das nuvens, a brisa calma e fresca acaricia-me apenas a mim, ninguém mais e eu saio dali, quem sou eu para aperciar só tão grande obra? É-me demais. E onde estão as pessoas a ver aquele pedaço de beleza? Estão em casa, no trabalho, nos seus afazeres, fazer a sopa, compôr a roupa, servir os clientes, fechar a loja. Para quê? Para continuarmos a viver, dia após dia, para podermos ver outro pôr do sol e outro mais ainda? Mas de que serve viver assim, se se privam de encadear pelo pôr do sol?
A luz de frente cega-me os olhos, ou talvez sejam as lágrimas, e eu saio dali, daquele banco, daquela rua, eu vou-me embora porque nada faz sentido, porque eu estou sozinha a ver o sol na despedida. Oh, quão triste é essa despedida, porque é única e não voltará, ninguém mais vai rever os recortes das nuvens ou o modo como os montes se preparavam para embalar o astro celeste em mais uma noite, só eu o vi e quem sou eu? Sou ninguém, um rodopio no meio de nada.
Saio dali em choro e revejo esta terra visitada. As calçadas que piso já não são as mesmas, apesar de estar no mesmo lugar. A minha infância está morta, tão morta como as minhas ideias, como o meu pensamento, como o cheiro a café e torradas barradas de manteiga, como o sabor a pão com chocolate de avelã, como a voz dos velhos, como o embalar de estar ao colo, como a minha amiga, como o pôr do sol, está tudo morto, e eu não quero morrer, mas mais urgente, não quero viver.
Porque me fizeram existir?

1 críticas: (+add yours?)

The observer disse...

como sempre um texto poderoso.
O mundo é apenas especial para cada um. Para muitos o por-do-sol não é algo especial, sequer bonito. Não estarão errados mas a ser difrentes, logo especiais.

Quanto a solidão... é a única forma de ver o mundo como ele é ;) Não tenhas pena por estares sozinha, porque se alguém estivesse contigo, terias de lhe dar arenção e perdr o por-do-dol.