Noite e Alvorada

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A noite esmorece num qualquer bar. É tarde. Já não há gargalhadas nem exaltos, apenas restos em cacos partidos, espalhados no chão. Esta é a hora em que os resistentes moem as dores de cabeça. Esta é a hora em que os poetas se afogam no desespero da existência e da vida.

Reencontro sombras nas esquinas, lamuriando-se, lembrando-me de quem sou. Estão aos cantos e espalhadas, perseguindo-me neste amanhecer. O céu é tremeluzente cor néon, como quem vai avariar a qualquer momento. Há um chio a dobradiças velhas e os gatos resmugam e rugem por um pedaço de sardinha. Tenho uma caneta e um papel na mão, mas o café ainda não abriu. É cedo, minha rica mãe!, é cedo e as silhuetas ainda são difusas e estas sombras confusas de becos escuros. É tudo oco, porque faz tudo eco, porque a noite vibra, agora não, agora não há ninguém. Nem mesmo o vagabundo sem abrigo e mal cheiroso. Nem os trabalhadores que se levantam com a alvorada. A esta hora, só há gatos nas tampas do lixo e milhentos ecos desinibidos vindos de lado nenhum. Neste silêncio, raia a manhã, agridoce, de brisa gelada, harmonia. Nem pássaros, nem cigarras, nada no meio das sombras. Anseio silenciosamente a manhã e as suas gentes. Quero, quero ver dia e mundo e não este medonho cenário. As nuvens passam a galope e o céu é branco. A cidade é negro contraste. Quero fugir daqui, mas não me atrevo, quero desaparecer, mas não posso, quero fechar os olhos a isto, mas não ver é saber ainda menos, é só escutar. Tenho medo.
16.o5.2o10

Repetindo o repetido

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A chuva cai, calma,
As gotas despedaçam-se no chão,
desfiguradas...
O alegre conforto relaxante da chuva entra janela adentro e inunda-me em cheiros e sensações.

Quero voltar às origens.
Quero chorar infinitamente com a chuva.

Pedaços de nuvens agarram-se às coisas normais do mundo. Mundânices urbanas, quaisquer coisas banais. Encharcam-se as árvores e os panos e o chão, as poças formam-se em formas disformes de salpicos. Os putos chapinham em gargalhadas de puro deleite, os mais crescidos repreendem-nos. Entro em crise de choro de depressão. Afinal, é à minha volta que tudo se desmorona, que tudo se desfaz. Agarro esses pedaços de réstias do que sobra, mas não é nada, mas que não é nada, entro em desespero e choro porque não tenho onde me agarrar! Não tenho a quem me agarrar... ela escapou-se-me em estilhaços por entre os dedos, caio de joelhos e não tenho vontade de fazer nada, não tenho vontade de continuar.
Dão-me empurrões e abanões para acordar.
Não me alegram, porém.
Eu não posso ser alegrada.