Cicatrizes

Nestes dias em que tudo o que quero é morrer, surge esse cão em casa dos meus avós que me deixa apaixonada. Samoieda, cães grandes, como eu gosto. O Freddie tem 6 anos. Parece uma grande ovelha. Tem o focinho arranhado, vê-se a carne junto ao nariz. A orelha esquerda está caída. Tem várias feridas ao longo do corpo. Os antigos donos fartaram-se dele. Uns vizinhos dos meus avós, lá da terra, tinham-no abrigado e davam-lhe de comer. Por vezes, ele fugia e só o viam muito depois. Ofereceram-no aos meus avós. E aqui está ele, agora. Quis voltar da cidade dos estudantes para casa no dia em que o trouxeram. Hoje, demos-lhe banho. Está escovado, asseado, mas o pêlo ainda não adquiriu o tom original branco. As crostas das feridas saíram no banho e ele começou a sangrar por demasiados lados. Está cheio de pulgas. Há que o levar ao veterinário. Agora, eu, com os braços cortados, quando só me apetece morrer, com ataques de ansiedade e de pânico dia sim, dia não. Eu, que assim que chego à terra roubo os medicamentos da minha mãe. Aparece-me o Freddie e eu não lhe resisto. O Freddie é um cão grande que só ladra quando precisa de ladrar. Eu gosto de cães grandes, não gosto nada dos pequenos. O Freddie enternece-me. Adoro fazer-lhe festas, correr para ele e abraçá-lo. Adoro dar-lhe beijinhos. Adoro quando ele me deixa lambuzada. Quero morrer, mas também quero o Freddie. O Freddie é óptima companhia. É um bom amigo. Agora que a Pantera desapareceu, há já mais de um ano, eu preciso de alguém. A Joanna desapareceu, o Yuri está longe. Não vou mentir a ninguém, não vou mentir a mim mesma. Não tenho mais amigos. Tenho o André, mas não posso falar com ele como falava com a Jo ou com o Yuri. E ele não me pode fazer companhia como a Pantera ou o Freddie. Estou a pensar voltar ao psiquiatra, à psicóloga. Quero curar-me, definitivamente. Voltei a ler. Escrevo, de vez em quando. Estou a escrever para o NaNoWriMo, mas muito pouco. Adoro as minhas colegas de casa, mas estou a ir-me a baixo, injustificadamente. Quero estar sempre onde não estou. Em casa, quero estar em Coimbra. Em Coimbra, quero estar em casa. Na praia, quero estar bem longe dali. Quero dormir o tempo todo. Para não pensar nas promessas de nunca mais me magoar. Para não pensar na vontade infinita e assoladora de parar já. Para não pensar que não há sentido em continuar. Tenho o Freddie e o Freddie vai morrer em breve, sabe-se lá quando. A mamã diz que estou a ficar como a minha prima e é quase verdade. Sabe-se lá se não é verdade mesmo - só que de maneiras diferentes. Sabe-se lá porque sou tão parva.
Sinto que me cortam as pernas cada vez que quero viver os meus sonhos com alguém. Não é que não o possa fazer sozinha. Mas quero muito mais partilhada. Quero entardeceres de outono com o Freddie.

1 críticas: (+add yours?)

Malu disse...

Oi Adriana, meu nome é Luana e sou brasileira, adorei seu blog e me identifiquei muito com você. Parabéns, és uma ótima escritora a meu ver. Queria manter contato contigo, se quiser, deixo meu Facebook http://www.facebook.com/profile.php?id=1449253097 , beijos.