Trança de Mãos Dadas


Foi um dia como os outros. Estava eu com os outros e, como outras vezes, mandei-te uma mensagem, para o número privado que só eu conheci. Sem esperar resposta, suspiro. "O quanto gosto de ti, quanta falta tu me fazes", etc. Eu sabia que nunca a ias receber. Que nunca irias responder. Eu sei que tu nunca vais responder, mas, ainda assim, mantenho contacto. Quando volto a olhar o ecrã, lá estás tu. Não consigo acreditar. Os meus olhos enchem-se de névoa e não consigo ler. Não podes ser tu. Creio chorar. Não consigo, não pode ser verdade - mas é, mas és. Tu, delicada borboleta, ofereces-me palavras de graça. E eu leio-as, saboreio-as, choro-te. Corro à tua procura e não quero acreditar quando te vejo. Não pode ser verdade. Como te agarro. Como te choro. Como é pesada a saudade que tenho tua. Não acredito que estás nos meus braços, mas estás! Vou ter com os meus, com os outros, apresento-te, apresento-vos. A maioria não liga muito, mas o olhar dele prende-me, incrédulo. É ela, sim, é ela, digo, sem dizer. Não pode ser, diz-me ele. Mas eu tinha razão. Sorrio. Eu tinha razão em continuar a mandar-te sinais de vida. Tinha razão a procurar-te em cada esquina, em cada pessoa. O meu coração grita. O meu peito explode. Será possível morrer de felicidade? Quero dizer-te tudo, pedir desculpas, dizer que te amo, chorar-te, pedir-te desculpas. Não acredito ainda, meu amor, que estás comigo outra vez. És tu, sim! És tu!
Deixo-te por instantes. Estou louca de arrepios, sou eu toda uma erupção de sensações. Choro como nunca chorei, grito, rio. Ele encontra-me e pergunta-me, casualmente, 'Então, é agora que vais ser feliz?'. Estou a escrever, mostro-lhe, «Passei tantos anos sem ti, em dor, em luto, em choro, em pranto, que agora não me consigo habituar tão cedo à ideia que tudo isto é realmente verdade. Tens de me dar tempo, para abandonar, aos poucos, enfim, a depressão. Tens de me dar tempo para reaprender a ser feliz. Contigo.»
Viro-me para ele, mas o sorriso escorregou-me dos lábios. E lágrimas de felicidade são agora negras. 'Não,' respondo, 'porque tudo isto é um sonho e quando acordar ela vai estar morta outra vez.'
Ele consola-me, que disparate, diz, que isto não é sonho nenhum, que nós vamos viver felizes, muitos anos. Eu digo-lhe que não. Eu tenho a certeza. Mas como dizer não a esta vaga de esperança, a este apertar de felicidade? Depressa esqueço e depressa regresso ao pé de ti.
E então acordo. E tu estás morta. E eu não acredito, porque ainda sinto a tua mão na minha. Ainda vejo os teus olhos azuis, os teus dedinhos rosa, a linha do teu nariz, o teu cabelo, numa traça, sobre o ombro. Quero-te tanto. Tu não me mandaste mensagem nenhuma, tu não vives escondida. Os teus ossos jazem agora num buraco de cemitério. Ainda consigo sentir os teus lábios debaixo do meu beijo. Tudo o que te quis dizer não disse. Acordei e ainda sinto a felicidade de estares viva, afinal. É então que a derradeira desgraça recai sobre mim. É como que morresses outra vez. Nem te consigo chorar. Nem consigo respirar, sufoco em mim mesma. Olho o vazio, em dor. Não me levanto da cama. O mundo tem o dobro do peso.
A meu lado, a caixa de calmantes, a caixa de anti-depressivos, as outras caixas todas. Outra vez, tiro um de cada, como outras vezes. Tudo garganta abaixo com água. E outra vez. Por favor, alguém me acorde deste pesadelo.