Topiramato


A chaleira ainda arde no fogão, aceso, como que esquecido. A água para o chá há muito que evaporou. Ela correu, como quem abandona, como quem corre, como quem foge. Saiu de casa, sem sequer desligar o fogão, porque tinha os copos de vidro, nas mãos, e, enquanto os secava com o pano da loiça, sabia que os ia atirar ao chão e partir. Não ia deixar cair, ia atirar, para receber estilhaços das coisas materiais, como os estilhaços que lhe iam por dentro do coração. E fugiu, sem estilhaçar, sem desligar o fogão, sem levar chaves, sem trancar a porta.
Ainda bem que desligo o fogão, da água que já ferve, para o chá para adormecer. Ainda bem que estes contos são apenas ficção e que a chama azul já morreu, e que eu não parti nada, mesmo sem medicamentos. Ainda bem que tremo pelo corpo todo, mas que não fui embora, e agora fico contando minutos de fazer o chá, sem tremer, como quem quer estilhaçar o vidro para que fique em cacos, como o meu coração.