Declarações de Guerra

Declaramos guerra um ao outro, ali mesmo, no momento em que nos fitamos, ou, talvez, no momento em que um de nós arremessa uma troça, ou, ainda, quando acontece tropeçarmos no caminho um do outro, fingindo que não nos demos conta. Entregamo-nos à assaz batalha, batemos com os punhos, com os braços, com a mão aberta, com as unhas, agarramos cabelos, pedaços de carne, parecemos dois gatos, a bufar, a guinchar, a gritar, a rir, a fugir, porque o primeiro riso é o primeiro gesto de rendição, já escorrego e caio, já escondo a cara e viro-me para enfrentar a minha pena, repito o que disse, "Julgas que me metes medo?", e sorris e eu insisto em debater-me até ao fim da batalha, já mais que perdida em meios sorrisos, em meios carinhos, ainda tenho forças e levanto-me, mais uma vez, persisto em agarrar-te os braços que me agarram pacientemente, levo-te as mãos doces ao rosto e aninho-me nelas, toco-as com pequenos tímidos beijos e ainda finjo que ainda não perdi, "Julgas que me metes medo?", guardo-te os braços atrás das costas e tu aproveitas a proximidade para colares o teu peito ao meu e beijares-me a testa, e aproveitas cada hesitar meu para libertares os braços e me apertares com força, mas eu não me dou por vencida, tento dar-te pequenos empurrões nos ombros, a esconder os sorrisos, e tu segredas-me ao ouvido, "Julgas que me metes medo?" e beijas-me o sorriso escondido.