Bela Adormecida-de-olhos-abertos PARTE 1

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Era uma vez

um lugar onde tudo se podia comprar.

Nesse lugar, os meninos
e as meninas

podiam ter tudo

tudo

o

que

quisessem.


Um dia,

nasceu nesse lugar uma

menina,

de beleza resplandecente,

olhos azuis e cabelo
loiro.


Era uma menina em tudo perfeita.

No dia do seu baptizado,

foram convidadas todas as suas tias
menos uma.

(Diz-se que é maluca, com princípios de esquizofrenia)

As suas tias

tinham comprado a
revista semanal

de

astrologia e

feitiçaria caseira.
Todas, nesse baptizado,

concordaram em usar os seus

poderes e sabedoria

para abançoarem aquela menina

com tudo o que há de bom.



A primeira disse:

"Como a beleza é o que de mais importante que alguém pode ter,
que sejas toda a tua vida formosa, sem precisares de qualquer tratamento de beleza."


A segunda disse:

"Como ter coisas lindas é o que de mais importante que alguém pode ter,
que tenhas toda a vida dinheiro para comprares o que mais te agradar."


A terceira disse:

"Como a felicidade é o que de mais importante que alguém pode ter,
que sejas toda a vida feliz, aconteça o que acontecer."

Mas a quarta
não disse nada.

A quarta quis guardar o seu feitiço
para a poder proteger de alguma maldade que pudesse acontecer.

Oh, mas que maldade.


Que maldade se iria abater!

Zozie

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Zozie, Zozie, dos Sapatos de Rebuçado, magicando um novo furto. "Que coração vou roubar agora?". Ah, Zozie, não és senhora de tantas doçuras como metáforas, com troça dizes "roubar", sabendo o quão certa estás.
Ah, Zozie, rainha de corações roubados e despedaçados, arrancados às suas vidas, quanto mal já fizeste?
Zozie, Zozie, não tinhas a certeza.
"Que coração vou roubar agora?"
E, em vez de procurares, deixas-te levar.

Zozie, Zozie, que foste fazer agora?

Quem foi, desta vez?

Quantas vidas ficaram arruinadas pelo roubo de uma?

Não me mintas, Zozie.


Zozie, Zozie, não tinhas a certeza, deixaste-te levar e agora vejo com clareza.
Ah, Zozie, como foi que o teu coração foi roubado?

Mas diz-me, Zozie, com tantas vidas destruídas, como és capaz de amar?

Dança do Puré

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Quieta como uma estátua.
Não mexe, senão estala.É do brilho desta sala.

Colher e prato sem se tocarem.Engolindo sem fazer barulho.Tento ignorar mas não consigo.


É aquele tremelicar, o tlim tlimde uma colher de sopano prato da sopa.


Não se ignora.Então olho.Está velho, velho.


O braço treme, todo o corpo dança.Como se um sismo abalasse(Ou o comboio fosse eterno)


Fecho os olhos, mas o somnão se ignora.Está velho, velho.


Eu não me mexo,estátua de cristal,senão estalo.


Olho para outro lado.Movimentos agora ágeisDe quem já fez muitas rendas.


-Quem?Repete e faz repetir.Outra vez.

-Eu já lhe disse.Movimentos ágeis,mas o que se esconde?



Estátua de cristal,
não deverias ouvir.
Pelo canto do olho espreito"

"E vejo um reflexo de mim
que nem parece eu.
Atrás de mim roça

O manto da Dona Morte.

Respiro fundo.

Há uma qualquer confusão na cozinha.
Uma disputa pelo esforço.
-Eu trago que ainda tenho braços.

A bengala de lado para trazer o segundo prato.
Toda a panela treme, todo o corpo treme.
É a triste dança do puré.

Como choram as estátuas de
cristal límpido?
Não choram porque estalam.

Fecho os olhos e
atrás de mim, um estrondo,
braços demasiado tremidos.

O puré conclui a sua dança
na imensidão do tapete.
Amarelo sobre azul.

Quero chorar,
olho para outro lado.
Velha, velha, à minha frente.

Sorri.
-Já sei. 1989.
E tu és…?

Mera ideia

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Ok, ontem estava a pensar e tive uma ideia.

No ano passado e nos anteriores ganhei o hábito de escrever notas nos livros da escola. Notas em forma de pergunta. Perguntando por qualquer coisa que fosse acontecer, por exemplo, "Como correu a apresentação de filosofia" ou "Qual foi a nota do teste de biologia". À frente deixava um espaço para a resposta.

Quando chegava a esse ponto do livro, já sabia a resposta.
Enfim, era um modo de aliviar os nervos, saber que um dia responderia.

Baseada nisso, ontem tive essa mesma ideia: fazer uma lista de perguntas destinadas a um dado ponto no tempo futuro para responder quando lá chegar.

Coisas idiotas, do tipo "Que fizeste no teu último aniversário" ou "Qual é a tua cor preferida" ou "A gripe apanhou muita gente", coisas mais sérias, como "Qual é o livro de que mais gostas", "Para que curso entraste", "Continuas a chinelar", ou perguntas realmente sigificativas, por exemplo "Já publicaste alguma coisa", "Já chegaste com os cotovelos ao chão", "De quantos MB são as tuas conversas", "Conseguiste mais alguma coisa da lista de desejos", "Já tens sapatos de ballet".

Aposto que já alguém me roubou a ideia.

Que se lixe, para mim é original.


Boas tardes.

Fantasmas da Noite (Reduzida)

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Descortinando a noite os seus segredos.

Para já, fétidos.
É deste calor estrangulante.

Deixam-se os sonhos e pesadelos guardados a um canto. Dormir não serve, por isso escreve-se. Pensamentos vão e voltam pelo canal descortinado pelo escuro.

Não há luz que me distraia à noite.

Vem, vem, monstro, de mansinho. Demónio nocturno de pensamentos de cristal que de dia não fazem sentido. Dentro de ti tens tudo, trazes tudo, memórias, associações, estranheza pura e clara, como cristal.
Agridoce monstrinho. Contigo os meus medos, de pequena, regressam, ávidos de sangue que lhes escapou por entre os dedos, outrora.

Mas isso foi outrora.

Agora não me escapas, fedelha.


Mamã, tenho medo.
Tens medo de quê?
Do escuro. Digo. E o que não digo é: das bombas, do fogo, dos ladrões, das trovoadas, dos vulcões, dos meteoritos, da dor, da tortura. Tenho medo de ficar como a rapariga que roubava livros, receio-o acima da própria morte.
Cala-te e vai para a cama.

Ingenuidade dos adultos que desconhecem-me os pesadelos antes de adormecer.

Tagarela (cont.)

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(Continuação)
Foi como se me tivessem bloqueado o corpo e a mente. A surpresa abalou-me de tal modo que todo o resto se apagou. Em primeiro, o vazio confuso da não coincidência com a minha recém formada conclusão. Depois, o choque arrepiante de quando fazemos, inconscientemente, algo proibido. A sensação de tentar apagar, proteger de situação desconfortável.
Maravilhoso cérebro.
E, mas só na esquadra, a repulsa de tão ridícula ideia. Consegui, finalmente, articular:
-Sair sem maquilhagem é crime?
Ele olhou-me com o mesmo prazer com que olharia um verme. Era bastante evidente que não gostava de insectos.
-Está, por acaso, a fazer troça de mim? Ou da Justiça? Faz parte de algum movimento?
Na minha cabeça, nada fazia sentido. A maquilhagem sempre me parecera assessória, simplesmente demasiado global para que alguém passe desprecebido sem ela.
Depois, também havia aquela treta da proteção.
Mas crime? Nunca, jamais ouvira falar em tal.
-Onde raio está isso escrito?
E, com toda a amabilidade, o senhor oficial mostrou-me o livrinho das Leis.
Não posso, assim, por Lei, encontrar-me num lugar público sem maquilhagem, por "ofensa à integridade pública". Assim. Tratam-me como se passeasse sem roupa, porque a "maquilhagem é a roupa da cara" e, qualquer dia, estamos todos a usar máscaras por Lei.
-Ofensa à integridade pública? - E, dito isto ri-me. Conheço putas, das de nome, não das de profissão, que andam mais nuas que vestidas e que ofendem mais a integridade pública do que quem quer que seja sem maquilhagem. A essas Meninas quem as prende? Não decerto o senhor polícia, babando-se de cada vez que as vê passar.
O senhor agente parecia cada vez mais preocupado com a minha ignorância e com o meu comportamento. E, quando me ri do paradoxo inscrito em "integridade pública", levantou-se, recuou e disse:
-Talvez fosse melhor falar com os seus paizinhos?
Olha-me este! Era senhora e agora já tenho paizinhos?
-Veja a minha ficha.
Porque eu não sei onde eles param agora. Mas não lho disse.
Não havia contactos de familiares nos registos. Só o meu e o do Doutor. Foi a ele quem o senhor agente ligou.

-Estive a falar com o seu psiquiatra. Ele disse-me que a senhora é esquisi... sofre de esquizofrenia.
E, de repente, senhora outra vez.
-Oh, estragou a surpresa!
Sim, sou esquizofrénica. E daí? Significa que tenho dias mais bonitos, quando me esqueço de tomar os comprimidos. Significa que vemos coisas diferentes, quer dizer, que eu vejo mais coisas que o senhor, ou seja, que vejo melhor.
E daí? Hoje tomei os comprimidos. Tal como um exame toxicológico poderia confirmar. Quando tenho episódios, não me maquilho, obviamente, mas também não saio de casa.
O mundo perde toda a importância e é tudo eu.
Dizem que é como certas drogas. Nunca exprimentei. É batota. Pedrar-se pode toda a gente, esquizofrenia genuina só 1 em 100.
Mas calei-me.
Vi nesta história uma fuga.
Toda a gente desculpa os doentes mentais, é a própria Lei que manda.
-O seu psiquiatra diz que os comprimidos bloqueiam a doença
Doença? Tenha calme, não se pega.
-mas que, ainda assim, se pode esquecer de maquilhar, algo que precisa de um espelho para reparar.
Para mim, make-up é como o cabelo:
Cada um usa como quer.
E, se não se quiser, não tem.
Mas parece que ofendo a "integridade publica", já corrompida com todo o resto, cuja existência já é, por si só, uma ilusão.
-Para resolver o seu problema
Problema? Nenhum, não me importo de ter a cara despida.
-creio ter encontrado a solução.
Era uma máscara.
Ajustável à minha cabeça.
Não sei bem porquê, fez-me pensar nas coleiras que se põem nos cães para não se coçarem.
E voltou a imagem, o pensamento de à uns momentos.
"estamos todos a usar máscaras por Lei."