Trecho do Suicídio

Escrever e escrever sobre a escrita e sobre o escrito, quão redundante é, mas é o que sobra. Assim passo dias e dias, assim o meu tempo se passa, porque nada nele faz sentido. Vivo a vida apenas para morrer, pouco importa o que faça ou diga ou sequer escreva, pouco importa tudo, porque no fim irei morrer e no fim nada há-de importar. Viver a vida até ao fim, esperar pela morte, é penoso, como atravessar uma febre ou um deserto ao sol. O pior, é que me impõem este sofrimento, não me deixam morrer já. Pouco me importa o que dizem, porém, não poderia ignorar o sofrimento da minha família. É a consequência desta idade e destes tempos modernos, em que as pessoas demoram ainda mais a morrer, curam-lhes tudo. Em suma, tenho uma família viva que desesperava se eu morresse. Ignorá-los é uma opção, mas como posso tapar os ouvidos aos soluços da meia-noite, como encolher os ombros às lágrimas incessantes de pais sem filhos? Não consigo e com eles vivendo lá me vou conformando com a minha triste sorte, esperando a vez deles para depois provocar a minha.
Há quem diga que é preciso estar muito à beira do desespero ou não ter amor à vida. Posso desmenti-lo já: amo a vida e não desespero assim tanto, simplesmente vejo que não há nada que se possa somar a tudo, o fim será sempre o mesmo, as alegrias passam rapidamente, a dor mantém-se constante ao longo do tempo, a alegria é cada vez menos, a dor cada vez maior.
Se eu for o sentido da vida dos meus pais, que eles mal conseguissem continuar sem mim, só significava que até a vida deles já não tinha o sentido deles. Continuar a viver a partir da existência de alguém que deixamos só revela o quão pouco estamos preparados. A morte está sempre à espreita e é real e é quando menos se espera que atinge. Por isso a espero de braços abertos, sabendo que poderia continuar a viver mesmo depois de todos terem morrido, se quisesse viver. Assim, como não quero, é a morte dos outros que espero. Se ela me apanhar primeiro, será por acidente e a única coisa que posso esperar é ter a noção de que a minha hora está a chegar, para poder saborear a doce certeza de que a minha existência há-de cessar por completo.
Também se diz que é estupidez. O que eu acho é que é a decisão consciente mais importante da vida de alguém, achar se viver vale ou não a pena, para que se possa construir tudo a partir disso. O que eu acho é que a nossa vida deveria ser só nossa e que ninguém deveria interferir na decisão de decidir continuar ou não vivo. Tanto pior, os preconceitos não deveriam ser transmitidos com tanta facilidade por gerações. E nunca, nunca, o suicídio de uma rapariga de quase 18 anos deveria suscitar mais choque e falatório que a violação de uma rapariga de 16.
Só mostra o quanto as mentes das pessoas são fechadas e tamanha que é a preguiça de pensar por si mesmo. Demonstra a decadência deste povo. Pobres de nós se alguma vez se pudesse proibir o suicídio.