Livro do Inferno - Morte da Morte

Mar haveria... mar...
Porém, costa aquela de um imenso, imerso, infinito corredor. Outras dessas colossais Galerias sem nome. Mar onde? Mar o quê? Mar, seco, agora, só palavra desidratada. Mar: muito, grande quantidade. Mar de calor, mar de corredores interligados, cavernas artificiais, forjadas na pedra. Como tantas palavras mortas, mar. Mortas, céu.
Céu: tecto, luz. Abóbada sem fim, pululada de luzes a todo o comprimento. Toda a extensão de galerias, corredores, céu, e céu tecto e céu luzes. Palavra morta, como tantas.
Mas não há palavra mais mora: que morte, morrer: morto.
Falar.
Falar também lhe parece morto, enquanto atravessa, em passo lento, as galerias infinitas. Pessoas, como fantasmas. Só.
Memória.
Não é que se esqueça das coisas, mas não há nada para recordar. Galerias, luzes, néon, corredores, fantasmas. Caminhar. Saber onde está: não sabe. Saber quem é: não sabe. E, depois, ecoam-lhe estas palavras soltas na memória, mar, céu, morte, outras, mas ela não se consegue lembrar do que significam, a que sabem. Sentir, nada. Sonhar, dormir, nada. Tudo confusão, como que um vidro sujo ou embaciado, que deixou ver e já não deixa. Comer. Tem fome.

Desde que se lembra, tem fome. Desde que se lembra, nunca comeu.
Decerto se lembraria se tivesse comido. Sim, de certeza. Talvez…