Dizer-te (ficção)

Tu devias ter morrido nos meus braços. E não longe, no voo de um sexto andar de uma cidade distante.
Lembras-te de quando ficámos sozinhas no museu e passámos lá a noite? Quantas pessoas passaram a noite fechadas num museu? E não estávamos sozinhas: eu tinha-te a ti e tu tinhas-me a mim.
Tu devias ter caído a meus braços e não no asfalto duro ou na calçada suja.
Como naquele dia na praia, de mãos dadas, o mar rugindo, de mãos dadas, tu querias as ondas, eu queria beijar-te, querias que o mar te engolisse, queria salvar-te.
Tu devias ter esperado por mim. Mas não esperaste.
E assim vejo, a amiga que fui. Deste-me tudo que numa amizade tão forte poderia querer. Deste-me mais do que imaginei ser possível no mundo. E eu, que te dei de volta.
Devias saber que eu te amava. Deves, tens de saber que te amo.
Eu fui miserável para ti, mas amei-te sempre.
Tu sabias, certamente sabias. Pelo modo como te abracei, no meio de toda a gente. Pelo modo como te dei o meu casaco para não teres frio.
Tu devias ter-me dito. Porque tu sabes que eu compreenderia. Sem sentir o que sentias, sem ter passado o que passaste. Sabes que compreenderia.
E então eu haveria de apanhar o último autocarro e de correr, de subir as escadas a correr, para um último abraço, para um último beijo, um último olhar, um último sorriso. Dizer-te, amo-te, serás sempre a minha melhor amiga.
Por fim, deixar-te-ia ir, sem me veres chorar. Haveria de correr escadas abaixo, haveria de me deitar a teu lado, no chão, no teu sangue e chorar o teu crânio quebrado. Haveria de te abraçar e não querer largar, quando as ambulâncias chegassem. Haveria de sentir o teu corpo, rígido, frio.
Tu devias ter morrido nos meus braços. Deveriam ter-me levado numa confusão, já quase nem pessoa, a casa, deveriam ter falado com os meus pais. Quando as pessoas me vissem, desconfiariam sempre de mim. Porque não fiz nada, perguntar-se-iam. E eu deveria ser levada a casa com o teu caderno no bolso. E andar sempre com ele, como um guia e uma mensagem: tu amas-me e eu sou a tua melhor amiga.
Seria tudo diferente. Mas agora seria mais forte. E não teria deixado nada por dizer.
Amo-te.
Serás sempre a minha melhor amiga.