Ponto Final


25.11.2010
"Bom dia."
Uma mensagem no telemóvel. Um sussurro de passagem. Uma nota escrita ao canto de um jornal. Um aglomerado aleatório na sopa de letras. Duas simples palavras que podem ser vistas em qualquer lado, mudaram o mundo para sempre.
"Bom dia, são oito horas em Portugal continental e na Madeira, sete horas nos Açores." diz o locutor, a voz vagueando pelos recantos do carro estacionado. O homem suspira. O carro é roubado. O homem suspira. Liga o motor e volta para trás e deixa o carro no exacto sítio onde o havia encontrado. Sai e fecha a porta com um estrondo. Lá dentro, a voz do locutor de rádio continua a fazer-se soar. Quem se aproxime, há-de ouvi-lo a desejar uma boa viagem, se for o caso.
"Se hoje trabalha, não se atrase, faltam seis minutos para as oito em ponto."
"Bom dia."
O homem caminha, em passos largos. Caminha de mãos nos bolsos e pragueja. Está arrependido e envergonhado. Olha as pessoas e todos o olham de volta e todos o julgam. Faces repreensivas é tudo o que consegue ver. Os pássaros. Lá no alto. Pardais cantando os crimes de que é acusado, os melros debitam a sentença. Lá no alto. As aves de rapina, em círculos apertados, prontas a arrancarem-lhe os olhos a qualquer momento.
"Bom dia."
Em Portugal. Porquê em Portugal? Parecia um país completamente aleatório. O minúsculo jardim sujo do canto da Europa. O homem sabe que não deve caminhar de mãos nos bolsos nem em passadas largas e rápidas, como um fugitivo. O homem sabe como se comportar - mas não consegue. Há uma urgência incontrolável que lhe toma a caminhada.
Atravessa um sinal vermelho sem se aperceber. Não vem lá ninguém. Continua pelas ruas, está quase lá. Os passos não abrandam. As mãos insistem em casar com os bolsos. No ar sente-se o aroma fumegante do preparado do dia, das cantinas azuis. O passeio está limpo. Não há lixo. A calçada é branca, ainda mais que a camisa suada do homem. Ele desce a avenida principal. Passa pela biblioteca, pelo mercado. Por estátuas de gentes que nunca conheceu. Na torre do relógio, o ponteiro dos minutos dá um pequeno salto e aponta certeiramente o céu. Faz soar oito badaladas.
O homem chegou à estação. Traz um porta-moedas gasto no bolso de trás. Tudo, tudo, tudo errado. Dirige-se à bilheteira. Os comboios apitam e o homem está cada vez mais nervoso.
- Bom dia.
As palavras são para ele, directas e ditas em voz alta.
- Bom dia.
O homem quer fugir dali. Quer falar com uma máquina acerca do bilhete. As máquinas compreendem-no muito melhor e não chamam a polícia.
- Salamanca. Ida e volta.
Que desperdício. Ida e volta. Mas era o máximo que podia por não dar nas vistas.