Nos verdes campos

Era um dia nos verdes campos. Estávamos sós, estávamos calmos. Éramos, seriamos só nós. Enfim sós.E sós que fazíamos? Conjugávamos todos os presentes do indicativo de olhar. Olhávamo-nos profundamente e explorávamos todas as variações, cada degrau da graduação, um arco-íris de modos de ver.
O campo é simples. É um céu, algumas nuvens, é uma clareira verdejante, algumas árvores. Sós estamos. No campo. Tu comigo, eu contigo - e sem querer estar mais além deste momento e deste lugar.
Tu moves-te com agilidade, uma certa destreza adquirida com o passar dos tempos corridos a pontapé. Eu vejo-te tão eficaz e por fim compreendo que tu és imaginário, és uma sombra de vapor que parte da minha própria cabeça e que se desfaz num gesto mais ousado.
Estás comprometido. E eu amo-te.
Fecho os olhos e deixo as lágrimas correr.
Antes amar e não ser correspondido
Antes chorar por não amar
Que perder de um modo tão dramático o nosso amor, a nossa alma gémea.
Adormeço na clareira, agora à beira rio. Quis contar-te algo, descrever-te a luz do sol que se espelha na água e brilha como se amanhã não houvesse, mas depois lembro que és imaginário. Amo-te e por isso te choro.Levanto-me e parto para casa.
Para a nossa cabana, para a minha cabana. O meu abrigo provisório, sempre provisórias são as minhas casas. Nela olho para as paredes ocas, para as prateleiras vazias, para o espaço que sobra em excesso da tua ausência. Recordo uma vez mais que não existes. E que nunca te hei-de ver.
A um canto, um colchão e um saco-cama. Uma almofada, uma boneca de pano. Uma lanterna, uma vela. Uma mochila meia aberta.
Ainda só pernoitei uma vez nesta casa, neste outro lar construído do nada. Quanto tempo serei capaz de ficar? Não me interessa - as minhas necessidades logo o hão-de ditar. Estou à mercê do momento, de cada momento.
E a cada momento sei que te amo e que ainda não te encontrei e que não posso estar contigo. Talvez nunca.
Comigo trago meia dúzia de livros. Os meus queridos companheiros de viagem. Três cadernos, duas canetas de tinta permanente, recargas. A história de uma amante da vida que sofreu toda a infância perdas tão duras quanto pôde aguentar. A história de duas viajantes solitárias que correm o mundo procurando melhorar as vidas às suas voltas com chocolate e toda a sua magia. A história destas duas viajantes que se tornaram quatro. A história dos adolescentes musicais. Ah, histórias! Depois, as minhas. Um diário, um de notas e um de histórias. Hoje e amanhã, tal como ontem, continuo a ser o que escrevo e é na escrita que continuo a revelar-me verdadeira.
Afinados seguem comigo vozes de cantares. "Perde a estrela d'alva o seu fulgor", canta Zeca Afonso, em doces acordes, embalando algum menino, ou menina como eu. Pequena, adormeço, após fechar os olhos. A Lua entra pelas frestas do telhado. Quis amar-te tanto e quis tanto estar sozinha que agora essa é a dor que mais me angustia.
Já nem o ter de andar nómada me causa transtorno - não, é mesmo para isto que nasci - é a tua ausência eterna, o vazio da tua não presença que nunca existiu. Quero-te algures comigo, para provares o café matinal que exala da cafeteira improvisada, para saboreares o chá da noite, o calor que conforta por dentro e prepara já o corpo para repousar.
Querido, querido.
Sinto-te tanto a tua falta, nesta casa, cada canto tem menos vivacidade por tu não estares comigo.
Liberta-te das tuas inexistências e impossibilidades e vem sentar-te comigo, vamos os dois ver cometas à nova Lua.

1 críticas: (+add yours?)

AGMatos disse...

Ao ler este texto, escrito algures em Abril, recordei-me do filme que vi entretanto e apeteceu-me responder com um "Happiness only real when shared" Muito bem, eu :)