Esgotamento Vocabular


Eu conheci o homem da minha vida, catorze vezes, talvez mais, se as contar, se as conseguisse contar. Em momentos como esse, um olhar, uma palavra basta, de súbitos presos. Às vezes, dura meses, outras vezes dias.
Conheci catorze homens da minha vida e cada um deles o foi, numa vida paralela, só na minha imaginação.
Um dia, esgotámos todas as palavras para dizer o que sentimos. Abusámos delas, sem lhes conhecer o significado. Um dia, contentámo-nos em ter sempre mais dinheiro, a subir sempre mais alto, mas esquecemos o que é subir nos sentimentos. Onde as palavras que gastamos acabam, acaba o mundo, acaba a ambição. Perdemos o "gosto de ti" da infância, que valia por cem "amo-te" que possamos dizer agora. E a nossa cabeça anda às voltas, enquanto nos "apaixonamos", um dia esgota-se-nos o vocabulário e não pedimos mais, sem saber que podemos mais.
Já encontrei a minha alma gémea em centenas de bares, em incontáveis noitadas, de cada vez mais certa de que tinha encontrado aquela pessoa, a pessoa certa, com quem partilhar mais que beijos e carícias, uma manhã no baloiço, um chá ao adormecer, uma série demasiado longa. De todas as vezes, tive tão forte certeza, sem querer saber mais, ou, sabendo o suficiente, achei que já sabia tudo.
Um dia, não pedimos mais nada, porque conhecemos aquela pessoa simpática, porque lhe dizemos "amo-te" e acreditamos piamente no que dizemos, porque brincamos com a nossa cabeça até nos convencermos que é verdade. E, no final, ficamos com aquela pessoa simpática, porque ela disse "também te amo" e porque é simpática e porque nos convencemos do que dizemos. No final, assentamos com a pessoa simpática, no nosso final feliz, só para dizermos que conquistámos qualquer coisa, encontrámos a vitória no amor e na união, riscámos uma tarefa da lista, agora só falta o dinheiro e o emprego, e a casa grande.
Um dia, sentimo-nos cansados e não sabemos porquê. Gastámos os amos-te, com os anos e a falta de paixão, e a pessoa simpática ao nosso lado não é mais que um hábito.
Um dia, encontramos a pessoa da nossa vida, uma daquelas catorze com quem trocamos frases e olhares e sabemos que lhe pertencemos. Falamos com ela, com calma, porque assentámos, e tornamo-nos grandes amigos.
Um dia, gastámos o vocabulário, antes de as sensações serem todas descobertas e, no dia seguinte, ficamos sem palavras que acarinhem o que sentimos agora. Um dia, julgámos amar demasiado cedo.