Não cabem mais pessoas

Não cabem mais pessoas. Já estou em desespero. Já não há mais espaço. Quem queira, quem sabe, não pode, porque não há espaço. Já não há vagas. Fechou, tudo, cessou a actividade e eu não consigo aguentar mais um segundo, estou apertada contra vós, pessoas, e não sobra mais espaço para mais ninguém.
Estou cheia de pessoas. Elas passam por mim e riem ou falam ou choram ou morrem. Alguns mandam beijos e abraços. Alguns evocam um tempo futuro suposto em que voltaremos a passar juntos. Só que eu não quero passar junto. Nem quero rir nem chorar, nem quero falar, nem quero sentir nem ouvir, nem quero beijar nem abraçar. Não quero nem quero pessoas. Pessoas ocupam espaço e querem espaço no meu coração, mas a procura é em vão porque não há. Não há mais. Não quero mais. Pessoas estorvam e prendem e pessoas mais, mais tenho preocupações. Pessoas não. Pessoa sim, mas Pessoa já cessou de exercer. Pessoas não, coração nada, não mexe, não há espaço. É que tenho feridas de alto abaixo, rasgadas e cosidas à mão de muitas lágrimas, e pelas brechas sai sangue, goteja sangue, coração aperta sangue para todo o corpo, sangue sai por veias mas também por brechas e eu não aguento mais cortes, mais feridas nem mais lágrimas, não há espaço para mais enquanto quiserem que viva, que seja viva e que haja viva, e não há, não há espaço.
Aaaaperta e bombeia.
Bombeia e rebenta.
Rebenta e despedaça.
E não sobra
Senão
Estilhaços
Destroços
Pedaços
De alma ferida pelos cantos.
E não sobra
Senão
Um coração rasgado
Parado
Para sempre, até ao dia da sua decomposição total.

E, aí, já há muito estarei morta e já há muito que não haveria espaço.
Só despedaço.