Vou olhar para vós todos e guardar-vos comigo. São como gotas de água cristalina e amo-vos perdidamente. São meus filhos, meus e de todo o mundo. Escrever-vos é um transe, as palavras surgem, a caneta escreve e eu deixo-a pensar, a caneta pensa e eu dou-lhe movimento, mas depois apenas os meus olhos lêem, porque bico de caneta não foi feito para ver nem ler nem amar, rasgar o papel até brotar sangue, é esse o propósito de bico de caneta, construindo os meus textos, meus filhos. A caneta pensa e pensa e eu escrevo e escrevo, deixando a fonte de tinta satisfazer os seus caprichos.
E o que sobra.
Sobra enfim, dou descanso à caneta, fecho o pequeno caderninho e suspiro, completa. Acabou, pois claro, acabou mais um texto. É sobre quê? Não sei, ainda não li, ainda é um bebé, depois hei-de compreendê-lo, mais, hei-de vê-lo crescer a meus olhos e a transbordar de alma e significado.
Gostaria de vos abraçar todos, são tão tudo o que tenho e tudo o que significa, porque são eu verdadeira, a verdade todos os dias trancada. Se eu eu e eu existisse e não fosse pessoa, se fosse eu verdadeira ao que sou, não seria pessoa, nem gente nem humano, seria palavras em forma de textos, seria tinta de caneta, jorrando do ferido papel, por aparo de pena, rigidez sangrenta que não é mais que beleza em estado mórbido.
São textos os meus textos e são meus filhos e do mundo e da caneta que assim se chega, e eu sou eles, estou neles, são o meu espelho e meu reflexo em verdade contada, porque não há verdade nem mentira, há apenas ser e ser só tem uma dimensão e nada mais se nota e ao olhar para vós é como debruçar-me a uma varanda e ver um rio ou um lago ou um mar ou o gelo ou uma nuvem e ler-vos é mergulhar nessa vossa imensidão transbordante é ir ao céu ver a Lua e as estrelas de perto, é tomar boleia da nuvem e pensar sobre isso e deleitar-me nisso e no conhecimento de saber que a vossa mãe sou nada mais que eu, mãe de todos vós, meu espelho da minha alma onde me espelho e onde a sabem reconhecer, como irmã e como gémea e digo, olhem para os meus filhos e esqueçam quem vos parece que sou, porque quem eu sou são eles e não há mais, é só, é simples e não há mais a dizer, apenas o cessar do discurso, pousar a caneta, fechar o caderno e suspirar, de harmonia, completa, inteira.
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