"-se morresses amanha, arrependias-te de nao teres feito algo?"
Se adoeço até pensar dói,
Não por o sofrimento provir do pensamento,
Mas porque as ligações sinápticas lá estão
E parece que acentuam a dor de cabeça.
Eu sei que não é verdade,
Que o cérebro não dói,
Mas hoje estou doente,
Mal consigo pensar
E os irrealismos podem-me sempre parecer realidade.
Hoje ainda estou doente,
Não tanto como tenho estado,
Nem conseguiria escrever;
O suficiente para magoar.
Agora, mais que sempre,
Que tantas são as vezes que penso nisto
Quase nunca com esta intensidade,
Reflito naqueles momentos desperdiçados
Com aulas, trabalhos de casa, estudos
Que me foram ocupando a vida
Sem que eu me pudesse defender.
Se eu morresse de febre
Hoje, até, quem sabe
E esta tivesse sido a minha vida
Que vida teria sido esta?
Se houvesse uma bomba no metro de Paris
Qualquer outra desgraça
Que me tirasse a vida
Ou qualquer outra capacidade
E se eu o soubesse de antemão
Que teria eu feito?
Mas chego sempre à mesma conclusão.
A de que, afinal,
Não importa quando morra
Que tem tudo sido em desperdício,
Excepto, talvez, Paris, Vigo e mais,
Que o tempo não volta atrás
Nem pára
Que não posso voltar à minha infância,
Minha juventude
Que, enfim,
A minha vida é oca
Que ma impuseram oca
Que a planeio oca
Que todos oca, oca sempre
É como se morresse um bocadinho
A cada bate do relógio
Porque não posso recuperar esse momento
E choro esse momento a cada seguinte.
E os outros dão-nos os modelos
Os pressupostos momento de felicidade
Os casares, os teres filhos, os tirares boas notas
Os seres aclamados, os tantas, mas tantas
E tantas que eu não me sinto feliz com elas.
Queria uma vida que valesse a pena
Queria ser mais que um esteriótipo, marioneta
Que faça o que faça
Não serei digna de saber qual a minha hora
Porque não será o agora pelo depois,
Para compensar o antes
Que merece ser chamado de vida humana
Mas agora pelo agora,
Simplesmente por agora,
Libertos das amarras do arrependimento
Porque o antes não interessa
E o depois está para vir.
Mas quem nos deixa ser nesta sociedade?
Lá vamos nós pela mão dos adultos,
Dos crescidos,
Dependemos deles
E são eles que nos enchem,
Como foram, outrora, enchidos
Desses momentos de desperdício,
Dos quais nunca nos libertamos.
Coitados, querem-nos fazer felizes,
Dar-nos um futuro.
Fazem-nos pensar que o objectivo é ser adulto,
Quando, mais que o agora,
O objectivo da vida é claramente a infância
E a restante vida é um mero objecto
Para dar origem a mais infância.
Quando o descobrimos é tarde de mais,
Tentamos alegrar o mundo com mais infâncias
E o mundo agradece-nos
Desperdiçando-lhes todos os momentos,
Relembrando-lhes de que têm de pensar no seu futuro.
A dor de cabeça já fraquejou um pouco.
Sabes que mais?
Não choro estes momentos que não prestei atenção
Às coisas da aula,
Que escrevi, ao invés,
Porque escrevi um bom escrito
Que valeu bem a pena de viver,
E não foram desperdiçados.
Já posso ser feliz
Se morrer agora, morro descansada.
"-isso não seria um bocado hipócrita?"
"Libertos das amarras do arrependimento"
AGMatos
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