Pequenos Factos

“Mamã, há pessoas no meu quarto
Há pessoas a voar no meu quarto
Eu não tenho medo deles, não mãe,
Eles voam e eu gosto do modo como eles voam
Eu quero dizer olá, mamã, posso?
Posso dizer olá às pessoas que voam no meu quarto?
Elas são tão pequenas,
Eu sou tão grande comparada com elas
Mas elas não me ouvem a dizer olá
Nem me vêem a acenar
Porquê, porquê, mamã?
Eles parecem tão bonitos,
Olha, mal tocam no chão e voam
Assiiiiiiiiim
Vês como te digo?, é assim que eles voam
E são lindos, são lindos,
São pássaros acrobatas, mal tocando no chão
São pássaros humanos,
Graciosos, ágeis,
Belos, belos.
Como hei-de explicar, mamã?
Parece-me que não há explicação
Como gostaria de saber voar assim
Assim”
[Ela abana os braços como se fossem asas num espaço mais alto que aquele onde estava, metros mais alto.]
[Anos mais tarde dirá]
“Quem me dera que as ruas fossem trampolins e que pudéssemos saltar como pássaros de um lado para o outro.”
[Acompanhará estas palavras de olhos abertos, vendo as ruas, mas distante, arquitectando tudo no seu modo livre, em que a gravidade deixa de ser um obstáculo ao voo e passa a ser o sua maior aliada. Acompanhará estas palavras com um sorriso fresco e gotas de chuva rolando pelo nariz.]
[Dentro de poucos dias, há-de escrever palavras que começarão assim]
“Por um momento, gostava de saber, para além de quem sou, que tipo de inteligência criativa tem o ser humano. Olho à minha volta e não compreendo. Talvez seja da idade, à qual tantos se prendem, que ainda não me permitiu amadurecer o suficiente para que eu perceba, enfim, coisas de adultos. Coisas de adultos. Não compreendes porque és muito nova. Achas que era bonito as pessoas andarem por aí aos saltos cada vez que lhes apetecesse, Diana? Achas que era bonito fazermos todos figura de palhaços?
Acho.”