Tentando saber quem sou

Para que nunca ninguém se esqueça de quem eu sou:


Eu não sou o meu nome!
Uma parte de mim é influenciada por ele, mas não todo o meu ser.

Eu sou quem sou, mas saber quem sou é tão difícil,
Que escrevo, escrevo
E escrevo, até querer descansar,
Até estar perfeitamente farta.

Farta?
Nunca me farto de escrever
A escrita faz muito mais parte do que sou
Que qualquer nome.

Escrita enraizada
Fabulosa escrita.

Para que nunca ninguém se esqueça de quem sou, vos digo:

Sou uma péssima pessoa segundo os vossos habituais parâmetros –
Não acato as regras, as leis, as normas,
Não falo, nem paro de escrever,
Não odeio as bruxas, nem adoro as princesas,
Não gosto de roupas nem de sapatos a tentarem definir quem se é
Não gosto de telemóveis nem de telefones
Não gosto de programas ocos de significado, nem detesto a censura,
Acho que o 25 de Abril foi uma perda de tempo e de recursos
Que apenas serviu para estupidificar todas as mentes,
Penso sozinha,
Odeio quase toda a gente,
Amo mais todas as restantes espécies que a minha,
Amo as pessoas por serem como são e não pelo aspecto que têm,
Adoro matemática e adoro física e acho que são a base de tudo o que se conhece,
Adoro francês e não inglês
Adoro música com alma e significado
Odeio a desprovida deles
Vejo os filmes errados
Leio os livros errados
Faço tudo ao contrário e questiono tudo
Não acredito no livre arbítrio, nem no acaso
E acho que a vontade própria é uma ilusão
Não tenho a certeza se este mundo é real
Não tenho a certeza do que real significa,
Tenho uma gata preta, parti um espelho, não vejo mais azar
Do que o que já existe,
Vejo o sofrimento dos que sofrem, mas nem de longe o sinto e,
No entanto, preocupo-me e choro por eles,
Receio pelas árvores arrancadas contra sua vontade
Receio pelos animais, receio pelos seres vivos,
Odeio e amo a humanidade,
Sonho matar todos aqueles que se deixam viver,
Digo que eles apenas se deixam morrer
Sonho torturar todos aqueles que o merecem,
Adoro o frio, detesto o calor,
Adoro a natureza, detesto o cimento,
Adoro o som da água, odeio o álcool,
Tenho ideias erradas,
Apoio as pessoas erradas
Venero o suicídio colectivo
Questiono a educação
Acredito que o mundo não vai sobreviver a este século
Odeio robots
Adoro ópera, adoro sopranos,
Odeio futebol,
Adoro teatro, odeio novelas
Adoro o Inverno, acho que o Verão é inútil
Prefiro os fjords da Noruega às praias das Caraíbas
Adoro o Outono acima de todas as estações
Odeio centros comerciais, odeio multidões, odeio consumismo
Odeio poluição, tenho medo de carros,
Odeio aviões, adoro comboios
Adoro abismos, adoro ter ideias
Adoro overdoses d’imaginação
Adoro paradoxos
Adoro cobras
Adoro crocodilos
Odeio existir.

Isto tudo para que as pessoas compreendam que fui mais que uma menina calada e sossegada. Para que saibam ver, finalmente, quem sou. Para que me saibam ler os lábios, para que adivinhem em que estou a pensar. Para saberem o que estou a tocar. Parabéns, encontraram-me, esta sou eu. Esta sou eu e chamam-me Adriana.