Segundo Manifesto Outono

"o que vês agora?"
agora vejo o outono, mas o outono está longe, só que isso é apenas na minha cabeça, na minha cabeça é que não vejo nem sinto o outono, e o que manda agora é a minha vontade e a minha vontade diz: é outono, queres saber o que vê a minha vontade?
"quero"
vê uma rua e duas meninas
vê um grande castanheiro
castanheiro castanho, com folhas castanhas, com castanhas no chão
e as meninas vão à procura de castanhas, o castanheiro é enorme, dá para toda a gente
abrem ouriços, à procura de castanhas, enchem os bolsos, de manhã, antes de irem para a escola, à tarde, quando voltam, até à noite, só veem castanhas
castanhas e folhas, que também são castanhas
se não choveu, é dia de juntar todas as folhas
montes e montes de folhas
como se fossem serpentinas, como se fossem uma grande festa
no final, atiram as folhas à rua
e os carros passam e elas voam e voam
e as duas meninas fingem que voam com elas
agora, noutra rua qualquer, as árvores enchem-se de cor
verde, vermelho, amarelo, laranja, castanho, roxo
à folhas cor de violino
depois vem o vento, muito vento, sempre na altura certa
quando ninguém estava à espera
e, quando as meninas saem da escola, as ruas estão cheias de folhas, os carros estão tapados por folhas, parece um rio delas invadindo a vila das duas meninas
depois são os anos de uma e mais de um mês depois, da outra, mas é sempre outono, elas saem a pregar partidas aos colegas que as vieram visitar, porque aquele é o mundo delas, de ambas
gora vejo o agora
o castanheiro mantém-se, intacto
às vezes, adoro subir ao pé do tronco, e ficar naquele lugar escondido que parece ser feito para mim, quando os troncos se juntam e me deixam sentar
só falta a outra menina
e a infância
e os trabalhos de casa excessivos
e a vontade de apanhar castanhas
mas a melancolia também é bonita, não achas?